12/06/2012

galeria entrevista Filipa Cruz

A galeria portuguesa está de volta e com uma nova imagem.
Hoje é dia de entrevista. Saiba um pouco mais sobre a Filipa Cruz.


A Filipa é a responsável pela nova cara da galeria portuguesa. Tem 26 anos e é do Porto. Acredita ter antepassados diretamente ligados à história da cidade, nomeadamente ao vinho do Porto. Estudou Design na Universidade de Aveiro e fez uma dissertação de mestrado sobre o comércio tradicional da cidade do Porto, o potencial da memória e o valor dos produtos nacionais e da identidade portuguesa.
Sufragista é o nome que adotou profissionalmente. É designer de comunicação e tem trabalhado pontualmente como freelancer em pequenos projetos. O seu objetivo é trabalhar em identidade corporativa, design editorial e tipografia, as suas maiores paixões no design gráfico.
Fez um estágio de seis meses num pequeno estúdio em Estocolmo e regressou a Portugal no final de Maio. Com esta aventura descobriu que só estando fora de Portugal se olha realmente cá para dentro, e que os artefactos portugueses têm um lugar lá fora, num imenso potencial a explorar.
Gosta de escrever números e datas por extenso e tem uma obsessão por tons antigos de cor-de-rosa.

asufragista.blogspot.pt
flickr.com/photos/sufragista
cargocollective.com/sufragista



A Sufragista, porquê?
R: A sufragista começou há muito tempo. No início adotei-o como nickname para usar na internet, ainda antes do tempo dos blogs. Em 2005 criei o meu blog, chamado "bazar da sufragista". A partir daí comecei a usá-lo (em português) para todas as redes da web em vez do meu nome. Só mais tarde é que me apercebi do potencial daquela palavra, e da forma como estava tão ligada a mim e de como continuava a fazer sentido.
No meu primeiro post do blog escrevi que sou: a última das sufragistas. Porque ser sufragista é acreditar numa emancipação social da mulher (e também dos homens), afastando-nos da cultura e repensando os nossos vícios e hábitos culturais. Sou sufragista porque as mulheres que há mais de um século eram assim chamadas levaram a cabo a mais fabulosa luta de sempre, na época mais incrível e estranha da história humana. Acho que ainda subscrevo isto. Escrevo e penso muito sobre os papéis de género e as questões sociais interessam-me; o papel da mulher na sociedade e a forma como as mulheres se vêem é um tema que me fascina. E acho que procuro sempre respostas para isso. A ironia é que normalmente encontro-as nas obras de autores masculinos. Por isso é que falo na emancipação da mulher e dos homens, uma emancipação dos preconceitos culturais.
Sufragista, em português, pareceu-me sempre muito sui generis. Primeiro, porque não existe realmente um movimento feminista em Portugal, e nunca existiu realmente. Segundo, porque é uma descontextualização histórica: a história das sufragistas passou-se essencialmente em Inglaterra, e tem um lugar forte nas culturas anglo-saxónicas. Uma sufragista portuguesa do século XXI que quer fazer design. É isso que me interessa, uma descontextualização que provoque uma alteração, algo deslocado.
Ao mesmo tempo também há uma certa afinidade pessoal com uma época histórica, com o fin de siécle.

Estes seis meses em Estocolmo o que é que lhe trouxeram?
R: Primeiro, trouxeram-me muitas saudades. Uma imensidão de saudades. Depois, muita aprendizagem pessoal e profissional. Mas acho que foi essencialmente uma experiência forte, marcante e algo que fiz para aprender coisas inesperadas, numa cultura que ainda conhecia pouco. Foi muito mais enriquecedor do que imaginei porque conheci muitas pessoas de países e culturas diferentes e isso é incomparável. Aprende-se uma nova escala de imaginar o mundo, e apequenam-se outra coisas que se pensavam mais importantes.
Mas as saudades surpreenderam-me. Descobri-me muito mais portuguesa do que pensava que era...


Teve saudades do ruído português...
R: Sim. Tive saudades de muitas coisas, mas o inverno, que foi a maior parte do tempo que ali passei, é incrivelmente silencioso. Na primavera muda bastante, as pessoas transformam-se muito quando vem o sol e bom tempo. Essa passagem é um coisa fantástica de se ver, a importância do sol e da luz. Fez-me perceber aquilo que muitos dizem do nosso país... essa posição geográfica mágica, com a luz única da Lusitânia. Não admira que sejamos culturalmente tão crentes no milagroso, no espiritual. Uma luz destas é coisa divina, não é coisa racional.

Diz que os designers não são artistas. São o quê, então?
R: Alguns designers podem também ser artistas. Eu sei que não sou artista. Um designer responde a um programa, a necessidades, a condicionamentos, a contextos. E deve desenvolver projectos tendo em conta essas condições, adaptando as soluções. Por isso é que vejo o designer como um intermediário, entre vários intervenientes, alguém que compreende um processo e procura as melhores soluções para esse processo funcionar. Por isso é que fazer design bom é tão difícil, são necessárias condições, tempo de planeamento e alguma abertura por parte desses intervenientes.
Em Portugal, é particularmente difícil porque as pessoas pensam que os designers são artistas, e também pensam que qualquer pessoa pode dar a sua opinião num processo criativo, o que lança uma grande confusão sobre aquilo que é ou não do domínio do designer. Em suma, perdemo-nos profissionalmente nos processos, o que, teoricamente, não é mau. O resultado é que pode ser um desastre. Isto porque o designer vive precisamente nessa ambiguidade entre a autoria do processo artístico, e a diluição dessa autoria pelo processo projetual, de respostas a uma problema.


A Filipa tem colecionado exemplos de lettering público em Portugal. Como é que começou a interessar-se por este assunto?
R: Penso que desde sempre fui muito atenta à paisagem gráfica. Mais que a paisagem natural, a paisagem urbana fascina-me, essencialmente numa escala pequena, de cidades pequenas e antigas.
Aveiro foi a cidade que me inspirou a começar uma pesquisa fotográfica, dos letreiros do comércio e das placas toponímicas da cidade.
Mais tarde fiz o mesmo exercício no Porto, ao calcorrear a Baixa a fotografar os letreiros mais especiais. Foi também uma urgência: muitos destes letterings vão eventualmente desaparecer em breve, ou vão ser alterados. No meu último ano do secundário fiz um projeto semelhante com as casas antigas do Porto. E muitas delas desapareceram, outras foram recuperadas. Sempre estive interessada em registar aspetos da cidade relacionados com a sua memória.
Entretanto, deixou de ser um interesse só pela tipografia e começou a ser um interesse pelo lettering. Estudei esses conceitos e quase que comecei a fazer uma tese sobre esse tema, mas entretanto mudei o objetivo do trabalho para a questão da memória e do comércio. Pareceu-me muito mais pertinente como tema, mas também mais urgente do ponto de vista da cidade, que era isso que eu queria estudar — a forma como as cidades lidam com o seu potencial histórico.


Todos os anos, em dezembro, faz uma compilação de músicas, num álbum com capa e tudo. É para o ano ficar arrumadinho?
R: Pois, acho que tem mais que ver com memória do que com organização (não sou muito boa nisso). Comecei estes álbuns anuais inspirada em outras pessoas que faziam o mesmo. Penso que quando era miúda gostava de fazer umas mixed tapes (cassetes com músicas variadas), e que este projeto é uma forma de fazer algo semelhante. Foi também uma forma de criar um projecto anual em que me pudesse dedicar a desenhar um album, ou seja, foi um pretexto para fazer um projeto de design gráfico, e, ao mesmo tempo, resumir a música que ouvi nesse ano. Agora funciona como um diário musical, o que me transporta para aquilo que ouvi em determinados momentos do ano.


No seu blogue, A Sufragista, há muitos excertos de textos do Miguel Esteves Cardoso...
R: Tal como introduzi no post que escrevi sobre os textos dele: Em tempos depressivos como os que se aproximam, procurei respostas no Miguel Esteves Cardoso. Gosto tanto de ouvir aquilo que ele disse que transcrevi quase metade da entrevista. Voilá.
São transcrições de uma entrevista passada na RTP, feita por um jornalista ao Miguel Esteves Cardoso, em que ele divaga sobre as questões da identidade portuguesa. Descobri que a visão dele me fascina. Porque é ao mesmo tempo uma visão portuguesa mas também de fora da cultura portuguesa, pela identidade dele ser também em parte da cultura inglesa. Mas o optimismo daquela visão é maravilhoso. E faz muito sentido para mim.

Gosta muito de fotografia. Anda sempre com a máquina fotográfica?
R: Não. Gostava muito de ser como as pessoas que o fazem, mas sou muito despassarada e pouco organizada. Até porque para fotografar tenho de sair de casa com esse objetivo. Muitas vezes saio só com a máquina e  dedico-me só a passear, observar e registar. Sou assim uma turista interna. Comecei isso em Aveiro, enquanto estudava e continuei a fazê-lo a partir daí em todos os sítios onde vivo.
A fotografia, da forma como a uso, é essencialmente uma ferramenta visual e de memória, uma forma excelente de registo. Uso-a para me lembrar dos locais e os registar numa memória futura. Por isso, tenho tendência a precisar do processo analógico, uma forma de fotografar que implica um certo tempo de espera, um impasse.

Organiza os seus dias ou trabalha por instinto?
R: Trabalho essencialmente por instinto, se bem que tento organizar o meu tempo, especialmente quando tenho projetos ou colaborações com outras pessoas.

Tem projetos para um futuro próximo?
R: Tenho ideias para um futuro próximo, mas não projetos. Acho que esses surgem naturalmente do desenrolar das coisas e das ideias. Para já penso em colaborar com amigos em projetos pequenos e tentar encontrar clientes que me queiram a fazer design gráfico como gosto de o fazer.



Para além do design, o que mais gosta de fazer?
R: Crochet e tricot! Ah, ah... Também gosto de pegar em pincéis e desenhar palavras. E gosto de escrever.

E, no dia-a-dia, o que menos gosta de fazer?
R: Ultimamente tem sido fazer malas. Detesto ter de fazer malas.

Sugira alguém português que, para si, seja inspirador.
R: Podia sugerir tantos nomes..., há tantos portugueses inspiradores de formas tão diversas. Vou-me ficar pelos antigos, do século passado: o Almada Negreiros, para mim, será sempre o artista total do século XX, o artista multifacetado, multitalentoso e sempre crítico e controverso. Não conheço personalidade artística e intelectual que me fascine mais.

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